Ossos de vidro e nervos de aço
Em um dos clássicos (e lindos) filmes franceses lançados na década passada, a protagonista de Le fabuleux destin d’Amélie Poulain (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) esbarra com um inusitado personagem: o velho do apartamento ao lado, um recluso e solitário parisiense chamado Raymond Dufayel (Serge Merlin), obscuro pintor com uma patologia denominada Osteogenesis Imperfeita, que o torna frágil como um graveto. É ele que diz uma das mais célebres frases do filme: “Os teus ossos não são feitos de vidro. Pode suportar alguns baques da vida”.
Muito embora seja uma frase inspiradora para pessoas sem deficiência aparente, uma das primeiras perguntas que surgem em minha mente inquieta é: e quem tem ossos de vidro não é capaz de suportar os baques da vida? Talvez seja difícil suportar os “baques” concretos, aqueles que levam nossos corpos ao chão. Mas, e aqueles que doem na alma?
Os ossos podem ser de vidro, mas os nervos podem ser de aço.
Cada ser humano é complexo demais para caber em estereótipos e classificações rasas, mas, muitas vezes ainda insistimos em escolher pelos outros se eles devem usar um dedal, uma xícara, um balde ou criar uma canalização para ter acesso ao oceano de possibilidades existente no mundo.
O poder do condicionamento mental
E, se o físico não é algo decisivo nos resultados de cada indivíduo, qual é o fator distintivo entre alguém que age e alguém que não faz? Posso arriscar uma resposta: certeza.
Pense nisso. Se você tem certeza absoluta de que você obterá o resultado desejado, e esse resultado seria a mudança de vida, você fará uma ação concreta. Por outro lado, se você tiver certeza absoluta de que, não importa o que faça, não funcionará, você não vai gastar recursos fazendo movimentos reais.
Claro, estamos falando sobre extremos. A maioria de nós se encontra em algum lugar no meio do meio – a terra de ninguém: “talvez funcione, talvez não”. E essa é a verdadeira zona de perigo. Porque acabamos fazendo esforços sem coração.
Preencher-se com a crença de que você conseguirá o que você definiu, não importa o que está acontecendo no mundo externo, não é algo simples, sobretudo para uma pessoa com deficiência.
Os grandes desafios começam a surgir quando você sai da infância e percebe que a sociedade já possui um rótulo para você, um rótulo que oprime, limita e cerceia as possibilidades de se tornar um indivíduo plenamente capaz e independente. No começo, a minha escolha de não aceitar esse rótulo não era uma decisão consciente, mas a crença de uma menina que tinha sonhos que extrapolavam esse pequeno espaço. Essa escolha foi fundamental para transformar sonhos em metas.
O que motiva a ação
Sim, pode ser clichê e até meio óbvio, mas a verdade é que andamos por aí esquecidos do poder que temos de conduzir as nossas vidas.
Sinto que os resultados da minha dedicação na vida acadêmica e profissional valem ainda mais a pena quando elas se tornam a esperança para alguma criança ou adolescente com algum tipo de deficiência. Esperança de que eles também podem romper o massacrante rótulo de pessoa com poucas possibilidades.
Essa é a maior motivação para esse blog: quem me conhece de verdade, sabe que eu escolho me mostrar no mundo de uma forma diferente daquela que ele supostamente poderia me determinar e, se eu deixar de existir nesse mundo amanhã, quero apenas deixar registrado para uma criança com deficiência, um adolescente com poucas possibilidades ou um adulto com sede de autoconhecimento: o mundo é nosso e ele só pode ser transformado por nós. Mergulhe, conheça e transforme.

Bela mensagem , – “no meio do meio” – você escreve de um modo generoso muito bom de ler e de entender de um modo simples .As vezes as pessoas que se julgam normais e bonitas e as que são as deficiência de Alma – Parabéns pela iniciativa – Abrs
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Obrigada pelo retorno, Tadeu!
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