“Vocês” em: A anulação da individualidade

Uma das coisas mais curiosas de se ter uma deficiência aparente é, frequentemente, ter que ouvir as sugestões de pessoas (quase sempre desconhecidas). Geralmente são sugestões que povoam o imaginário coletivo (fruto do senso comum). Uma das mais comuns é sobre o fato de eu não usar uma cadeira de rodas motorizada. “Afinal, é claro que a vida de ‘vocês’ fica mais fácil usando uma cadeira de rodas motorizada. Vocês devem cansar muito os braços”. Fala sério, você já experimentou determinar as especificações das lentes de alguém que usa óculos de grau e afirmar que aquele deve ser o modelo ideal para todos? Será que é possível colocar todas as pessoas que usam óculos de grau em um pacote com o rótulo “vocês”?

Pode parecer um exemplo esdrúxulo, mas representa exatamente o que fazemos. Anulamos a individualidade do outro e ainda pode-se achar que estamos sendo gentis e educados, anjos imaculados cercados de boas intenções, mas, em geral, estamos sendo chatos e derramando nossos padrões, muitas vezes infectados por pré-conceitos, em cima da singularidade alheia.

Você deve estar pensando o quanto eu estou sendo cruel e exagerada com certos especialistas de Facebook, que adoram sair por aí arrotando opiniões sem qualquer conhecimento e colocando pessoas dentro de caixinhas, mas quem me conhece sabe que eu sempre faço questão de disseminar conhecimento e esclarecer dúvidas das pessoas.

Não há qualquer problema em fazer perguntas, principalmente a clássica “o que você tem? ”. A grande questão é quando essa abordagem é feita por pessoas com as quais você não tem qualquer intimidade e que não estão interessadas em lhe conhecer como ser humano, mas apenas em serem entretidas com alguma história motivacional.

O clichê mais verdadeiro: rótulos apenas para geleias

Já que estamos falando sobre a criação e reprodução dos nossos paradigmas, revelaremos um grande segredo: o fato de usar uma cadeira de rodas não significa que somos iguais àquela moça, vizinha da tia-avó da sua amiga, que também é cadeirante.

A motivação para uso da cadeira de rodas pode ser a lesão medular, patologias congênitas, amputações e, assim como os fatos geradores podem ser diversos, as necessidades também são múltiplas e diferentes entre si.

“Acho tão legal ver você fazer tudo como uma pessoa normal”

Eu sempre gosto de me perguntar: se eu deixar a deficiência fora da equação, o quanto eu tenho evoluído pessoal e profissionalmente? Tenho multiplicado as minhas competências? Tenho me esforçado em pôr luz em minhas partes obscuras? O quão comprometida eu tenho sido com o meu processo de autoconhecimento?

A verdade é que não há desejo em ser inspiradora apenas pelo fato de ter uma deficiência física e “conseguir” estudar e trabalhar. Mas, sim, ficarei feliz se eu inspirar outras mulheres a segurarem no volante e perderem o medo de dirigir, para que esse espaço seja cada vez menos machista. Ou se eu descobrir coisas novas, que realmente possam melhorar a vida de alguém. Se eu contribuir para a multiplicação de modelos de negócios mais inclusivos, inovadores, sustentáveis e diversos. Assim como a Stella Young, acredito que nos venderam a mentira de que a deficiência é algo ruim e viver com deficiência torna você excepcional.

Eu sou apaixonada pelo meu corpo, ele faz tudo que eu desejo que ele faça e eu aprendi a usá-lo na sua melhor capacidade e não estou fazendo nada de extraordinário por isso. Sem cair na ditadura do propósito, uma das grandes motivações atuais da minha vida é contribuir para um mundo onde a deficiência deixe de ser o “anormal”, o excepcional ou a fonte de inspiração, onde não seja necessário criar pacotes e colocar algumas pessoas lá a qualquer custo. Em um mundo onde as expectativas sobre as pessoas com deficiência não sejam tão baixas e tenhamos criado condições mais equânimes, onde as verdadeiras conquistas sejam valorizadas.

Vou ali!! Nos encontraremos na próxima quinta-feira. Enquanto isso, é só acompanhar pelas redes sociais!

Publicado por por Amanda Brito

Administradora e Especialista em Gestão Empresarial e em Educação, atua há mais de dez anos conduzindo processos de Gestão Estratégica de Pessoas, Gestão de Carreira e Desenvolvimento Humano, além de já ter coordenado grupos de trabalho sobre Equidade em ambientes corporativos. Apaixonada por transformação de pessoas, possui formação em Coaching Executivo e Life Coaching, em curso credenciado pelo ICF, e em Practitioner em PNL. Também ministra palestras e tem experiência facilitando processos em Grupos. Baiana radicada no Rio, e viajante nas horas vagas, seus pés não sabem andar nem ficar quietos.

2 comentários em ““Vocês” em: A anulação da individualidade

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