Contratação de empregados com deficiência: indo além das cotas

“Nós gostaríamos muito de lhe contratar, você atende aos pré-requisitos para ocupar a vaga, mas, infelizmente, as nossas instalações não estão adaptadas para receber uma empregada com deficiência”. Essa foi a resposta que eu já ouvi abertamente em um dos muitos processos seletivos pelos quais passei. Não só ouvi diretamente, como também ouvi nas entrelinhas, nas expressões faciais e naqueles momentos de desconforto, onde sequer era possível me entrevistar em um espaço adequado.

Analisando a questão da inclusão ao longo das últimas décadas, é óbvio que tivemos muitas mudanças de infraestrutura, o que envolve transporte, calçadas, acesso a diversos lugares, além de transformações que foram fruto da garantia de direitos, incluindo aí a própria lei de cotas. Mas, a mudança mais importante ainda está longe do estágio ideal, que é a mudança cultural e que está diretamente relacionada aos valores, quer sejam valores corporativos ou individuais.  Acontece que nem tudo são flores e, tendo em vista que a nossa sociedade ainda reproduz muitas crenças e comportamentos preconceituosos, além de ter uma forte tendência imediatista, muitos profissionais de Gestão de Pessoas e os gestores pensam que inclusão, por não ser algo feito com um passe de mágica e que exige investimentos, tanto físicos quanto humanos, é algo que deve ser preterido com relação às outras iniciativas que envolvem a Política de Gestão de Pessoas. É aí que mora o problema, ou talvez a solução.

Muito embora muitas empresas ainda desejem apenas cumprir as cotas estabelecidas por lei, em vez de inserir de fato a pessoa com deficiência pelo seu potencial, aquelas que já conseguiram identificar a vantagem competitiva obtida através da diversidade estão cada vez mais preocupadas em construir um Programa bem estruturado e que atenda as expectativas da empresa e do empregado. Para traçar estratégias de modo a extrair o máximo de resultado de tal iniciativa, é preciso analisar de maneira franca quais são os gaps que a empresa possui dentro do seu processo de inserção de empregados com deficiência. Neste contexto, é válido trazer para o debate o ciclo da invisibilidade, apresentado pela Claudia Werneck, da ONG Escola de Gente do Rio de Janeiro. Tal ciclo representa muito bem a falta de oportunidade e as barreiras que durante anos dificultaram a participação da pessoa com deficiência na sociedade. O ciclo funciona da seguinte forma: pessoas com deficiência não conseguiam sair e não eram vistas e como não eram vistas pela comunidade, não eram reconhecidas como membros. Por isso, a falta de acesso não era um problema. Sem acessibilidade não há como ter inclusão. Sem serem incluídas, elas continuam invisíveis. Sendo invisíveis, eram alvo de discriminação, porque não existia o convívio. E o ciclo se fechava com elas não conseguindo sair de casa. E, é claro, com todas essas barreiras fica muito complicado sair de casa e o ciclo se fecha.

Ciclo da invisibilidade

ciclo da invisibilidade

Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572017000200295

Durante muitos anos essa foi a realidade e que, infelizmente, perdura para um grande grupo de pessoas. Contudo, com a inclusão, o ciclo já se altera para muitos. E tal transformação é retratada no Ciclo da Inclusão, apresentado pela Patrícia Almeida, da revista Inclusive, que transformou o ciclo da invisibilidade para os paradigmas de hoje, da inclusão. Hoje, a pessoa com deficiência consegue sair de casa e é vista pela comunidade. Vista pela comunidade, é reconhecida como membro. Assim, a falta de acesso torna-se um desafio e a comunidade tem que buscar soluções de acessibilidade para que a inclusão aconteça. Com soluções de acessibilidade, a chance de inclusão é muito maior. Sendo incluídas, as pessoas com deficiência são vistas e, mais do que isso, passam também a serem ouvidas. Com o convívio, deixam de ser alvo de discriminação, as barreiras reduzem e o ciclo se fecha com elas conseguindo sair de casa. Tal transformação é percebida, por exemplo, através do fato de encontrarmos mais pessoas com deficiência ocupando diversos espaços, hoje em dia.

Ciclo da inclusão

ciclo da inclusão.jpg.png

Fonte: http://incluser.com.br/2017/06/27/ciclo-da-inclusao-de-pessoas-com-deficiencia/

Agora, avaliem com franqueza se a empresa onde vocês trabalham tem alimentado o ciclo da invisibilidade ou o ciclo da inclusão. E lembre-se: o primeiro passo para uma mudança é ter consciência de que a mudança é necessária.

Para Liliane Rocha, consultora da Gestão Kairós, o que acontece em muitas empresas é o que ela chama de “diversity washing”, conceito que retrata a apropriação e valorização dos atributos da inclusão, inserindo-os nas suas propagandas e posicionamentos, sem, de fato, praticá-los. Para a consultora, é preciso trabalhar três pilares para que a inclusão, de fato, aconteça: captação, retenção e desenvolvimento. Apesar de muitas empresas concentrarem a maior parte dos seus esforços no processo de captação, os outros dois também são essenciais para que o processo seja efetivo, sendo que, na realidade, a retenção ainda é o ponto mais delicado. Segundo a consultora, se esses talentos não são valorizados, eles tendem a sair.

Muito além das barreiras arquitetônicas, lidar com o que é diferente exige esforço e mudança de visão. Para isso, é preciso educar, sobretudo porque muitos profissionais ainda sequer entendem o que é diversidade. Compreender que o mundo não é homogêneo e que a base da Gestão de Pessoas está em perceber como as pessoas podem ter uma performance melhor e como elas podem ser ajudadas para melhorar continuamente o seu desempenho, independente se elas possuem ou não uma deficiência, é fundamental para espaços corporativos com mais igualdade de oportunidade.

Publicado por por Amanda Brito

Administradora e Especialista em Gestão Empresarial e em Educação, atua há mais de dez anos conduzindo processos de Gestão Estratégica de Pessoas, Gestão de Carreira e Desenvolvimento Humano, além de já ter coordenado grupos de trabalho sobre Equidade em ambientes corporativos. Apaixonada por transformação de pessoas, possui formação em Coaching Executivo e Life Coaching, em curso credenciado pelo ICF, e em Practitioner em PNL. Também ministra palestras e tem experiência facilitando processos em Grupos. Baiana radicada no Rio, e viajante nas horas vagas, seus pés não sabem andar nem ficar quietos.

Um comentário em “Contratação de empregados com deficiência: indo além das cotas

  1. Cara Amanda, importante trazer para cena tal discussão.Considerando, a realidade viva e vivida por àqueles que nao sak “vistos”.Afinal, nak fazem parte do chamado “ciclo” dos ditos normais.Enfim, e preciso atentar aos direitos .Bem como, aa comunicação, ir alem muros.Enfim, humanizar-se. BOA SORTE!!MATARY Tayguara

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