A trajetória entre querer e – descobrir – poder morar sozinha

Ao olhar para menos de dez anos atrás e me recordar de uma garota que não conseguia percorrer uma distância de 20 metros conduzindo a própria cadeira de rodas, a ideia de morar sozinha poderia soar completamente absurda. Mas esse lapso temporal foi crucial para que muitas habilidades fossem desenvolvidas. Relembrar o êxtase de conseguir andar de táxi pelas ruas de sua cidade desacompanhada, algo tão corriqueiro e comum para a maioria das pessoas, a conquista da habilitação para dirigir, a compra do primeiro (e do segundo) carro, a primeira, segunda, terceira e quarta aprovações em concursos públicos, certamente eram fortes âncoras para que essa ideia pudesse germinar na cabeça de alguém que já tinha aprendido a lidar com as frequentes estatísticas pouco animadoras.

A grande questão é que a condição humana é muito mais complexa do que pregam as simplificações reducionistas das frases motivacionais. Ainda que um indivíduo seja capaz de superar uma gama de situações adversas, pode ser difícil alterar a influência que os paradigmas tão arraigados socialmente exerçam em suas próprias decisões, o que pode desencadear o processo de auto sabotagem.Continuar lendo “A trajetória entre querer e – descobrir – poder morar sozinha”

Barra Grande de Camamu: acessível apenas para aventuras

A Península de Maraú é uma das regiões mais bonitas da Bahia. E para desfrutar das belezas desse pedacinho de Brasil tão paradisíaco e pouco explorado, foi preciso muita disposição, coragem e a companhia de uma amiga mais aventureira do que eu. Isso porque a região é muito precária para quem precisa de um mínimo de infraestrutura e acessibilidade. Mas, sem dúvidas, viver essa aventura e poder contemplar as belezas naturais da região foi inesquecível e valeu cada esforço.Continuar lendo “Barra Grande de Camamu: acessível apenas para aventuras”

EU AMO, TU AMAS, ELES AMAM – SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA

Amor é um direito humano (sexo também?)

Não é uma novidade o anseio social de ditar regras para o desejo do outro, que pode se manifestar em um comportamento quase doentio de disciplinar os corpos alheios. Muitas vezes ignoramos – por desconhecer ou por desejar usurpar o direito do outro – que a sexualidade se manifesta no ser humano e pode se expressar através da construção de gênero, do desejo e do estabelecimento de relações afetivas e sexuais.

Isso faz com que a discussão sobre tal assunto ainda esbarre em diversos tabus. Tais bloqueios são ainda mais intensos quando o tema sexualidade vem associado à deficiência, de modo que, em grande parte pela falta de conhecimento, são propagados e perpetuados mitos, tais como:

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“Quando nada é certo, tudo é possível”

Ossos de vidro e nervos de aço

Em um dos clássicos (e lindos) filmes franceses lançados na década passada, a protagonista de Le fabuleux destin d’Amélie Poulain (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) esbarra com um inusitado personagem: o velho do apartamento ao lado, um recluso e solitário parisiense chamado Raymond Dufayel (Serge Merlin), obscuro pintor com uma patologia denominada Osteogenesis Imperfeita, que o torna frágil como um graveto. É ele que diz uma das mais célebres frases do filme: “Os teus ossos não são feitos de vidro. Pode suportar alguns baques da vida”.

Muito embora seja uma frase inspiradora para pessoas sem deficiência aparente, uma das primeiras perguntas que surgem em minha mente inquieta é: e quem tem ossos de vidro não é capaz de suportar os baques da vida? Talvez seja difícil suportar os “baques” concretos, aqueles que levam nossos corpos ao chão. Mas, e aqueles que doem na alma?

Os ossos podem ser de vidro, mas os nervos podem ser de aço.

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